quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Janela obscura...

2014 promete muitos olhares voltados para o Brasil. Afinal, é a sede da Copa do Mundo de Futebol...

Inúmeras discussões possíveis à parte, quero compartilhar, hoje, a imensa tristeza que senti ao assistir o episódio 1 da 1a. temporada do documentário The Greathest Shows on Earth, em que a apresentadora e co-produtora Daisy Donovan viaja pelo mundo, para conhecer a realidade da TV de cada país. Viciada confessa em TV, Daisy viveu momentos chocantes no Brasil.

Seu contato com a TV aberta brasileira proporcionou, em suas palavras, uma alegre mas brutal emboscada para seus sentidos. Sexo, morte, violência, exploração do corpo feminino como objeto fazem parte do escopo do que Daisy encontrou por aqui.

Confesso que chorei algumas vezes, ao assistir o documentário. Não de orgulho ou alegria, mas por perceber como é triste a realidade do que a apresentadora chama de janela para a alma da nossa Nação: a TV aberta. Trechos de programas que nunca assisti provocaram em mim, como em Daisy Donovan, uma certa indignação com relação àquilo que se é capaz de realizar e produzir, em nome da conquista da audiência ou da fama...

Lamentavelmente, para captar a alma da nossa Nação, o documentário se move a partir do Concurso Miss Bumbum Brasil 2013, onde um dos entrevistados, jornalista da Folha de São Paulo, definiu as mulheres brasileiras: "O bumbum é a preferência brasileira. Todos os brasileiros amam o bumbum. As mulheres brasileiras gostam de se sentir, não bem como objetos, mas elas gostam de ser adoradas e admiradas. (...) Se Você perguntar para qualquer brasileira, especialmente da classe baixa, mesmo se não forem bonitas, elas dirão que se acham lindas." Mais lamentável ainda foi o encontro que ela teve com o fotógrafo e blogueiro que se mostrou especialista em fotografar embaixo das saias das concorrentes ao Miss Bumbum Brasil 2013, enquanto desfilavam, e justificou: "É isso que as pessoas gostam de ver no Brasil". Daisy notou um certo constrangimento das demais jornalistas presentes ao evento, enquanto as concorrentes se sucediam na passarela em posições sensuais, pra mostrar o que elas e seu público acreditam ser o que importa na mulher: o bumbum.

Pensei que não poderia ser pior, mas o documentário prosseguiu, passando pelo Programa Pânico, que confirmou para Daisy a questionável fixação da TV brasileira pelos corpos das mulheres. O Programa foi definido por Daisy como degradante e quase sadomasoquista, ainda que assistido por dez milhões de espectadores. Uma ex-panicat revelou a motivação das jovens mulheres, que aceitam passar por situações humilhantes e constrangedoras, em rede nacional:  " É humilhação e fama que faz esquecer a humilhação, porque Você está na TV e o programa dá audiência".

Passando do sexo à violência na TV, o documentário mostrou o Programa Na Mira, gravado em Salvador, onde acontecem cerca de 40 homicídios por semana, corroborando o índice nacional, que é 18 vezes maior no Brasil  que no Reino Unido. O escolhido é apenas um exemplo de programa criminal, sendo assistido duas vezes por dia, por uma audiência de milhões de espectadores. Este é, realmente, um esquisito tipo de entretenimento ou, segundo a apresentadora do jornal, Analice, um meio de informação, que, concordando com Daisy, percebemos que nasceu na soma da boa intenção da famosa apresentadora em ser a voz do povo que não tem voz e está cansado da violência em Salvador, com a vergonhosamente deslavada intenção da emissora em aumentar sua audiência através do sensacionalismo, que, seguramente, gera mais medo e revolta que transformações sociais.

Enfim, após fazer parte da platéia de Celso Portioli, onde as feias sentam-se atrás e as bonitas, na frente, Daisy esteve no palco durante a gravação do Programa Domingo Legal e o dividiu com algumas das variedades que divertem as famílias brasileiras, aos domingos: dançou com Belo, que define como ex-traficante de drogas, que, hoje, é um dos maiores galãs do país, e Padre Marcelo Rossi, que, segundo ela, não olhou para os bumbuns das dançarinas. No final da gravação do programa, Daisy conversou com Patrícia Abravanel, que disse: "Nosso foco está nas massas. Elas não são muito educadas, porque estamos num país de terceiro mundo."

Concluindo o documentário, Daisy afirmou: Sexo e morte parecem estar mais próximos aqui do que na Inglaterra. São muito mais visíveis e, talvez, seja por isso que, por onde eu passe neste país, há uma sensação geral de 'aproveite o momento'.

Acredito que muitos me lerão e protestarão, porque gostam dos programas visitados pelo documentário. Eu, contudo, prossigo confessando que chorei e lamento que esta seja a impressão que estrangeiros terão de mim e de minha família, ao assistir o documentário. Justamente nós, que embora sejamos totalmente brasileiros, não tivemos um pedaço sequer da nossa alma registrada nos encontros vividos por Daisy Donovan, que a fizeram concluir que o Brasil não é um país para fracos de coração. Afinal, tantos bumbuns, tanta exploração do corpo feminino, tanta violência exibida nas horas das refeições, tanta banalização do que é ser mulher e bonita, tanta manipulação das pessoas, a massa mal educada, tudo isso não é mesmo fácil de aguentar.

Espero que mais gente brasileira, como eu, sinta-se indignada e se comprometa a produzir coisas boas, construídas sobre valores realmente positivos, e mais gente brasileira, como eu, comprometa-se a dar audiência ao que valoriza o ser humano enquanto pessoa e não como objeto a ser explorado, vivo ou morto, desde que dê audiência... E fama.

Assista o vídeo e deixe seu comentário!

Jackeline Sarah
Escritora
Postado, originalmente, em 16/01/2014

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